Poesia e convivência artística renovam planos para o Atelier da R1
Primeira edição do sarau Fogueiras Poéticas reuniu alunos, professores, artistas, profissionais liberais e cineastas na Residência Estudantil 1. Pró-reitoria de Assistência Estudantil prevê a reforma do espaço.
*Por Vanice da Mata
A primeira edição do sarau Fogueiras Poéticas reuniu um público diversificado na Residência Estudantil 1 (R1) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) no último dia 13 de julho. Professores, alunos residentes e não-residentes, profissionais liberais, além de um dileto grupo de cineastas baianos participaram da primeira edição do evento, que tem o objetivo de reformar o Atelier da R1.
Apesar da infraestrutura precária, o espaço continua a ser local de estudos principalmente para alunos de Artes Plásticas, Dança, Teatro e Música. Organizado pelo grupo Revitalier, o Fogueiras Poéticas contou com o apoio da Pró-Reitoria de Assitência Estudantil – PROAE e teve a poesia como instrumento de reivindicação política.
O Movimento – A ideia do evento partiu de alunos dos cursos de Artes Plásticas e Teatro. Fernando e Dominique encabeçam o grupo Revitalier, formado para impulsionar a transformação do Atelier. Quem explica a história é a aluna Angélica Behrmann, do 6º semestre do curso de Artes Plásticas. “Estamos construindo um projeto para reativar o espaço e fazer deste lugar um centro cultural. Tomamos o Fogueiras Poéticas como o pontapé inicial em busca da realização do objetivo do grupo, que é reformar este espaço”, afirma ela, que foi uma das organizadoras do sarau.
Para Angélica, o Atelier é um lugar valioso na formação dos estudantes de Artes da UFBA porque permite interação e troca entre discentes de diferentes cursos. Isso traz mais riqueza para suas experiências de vida, especialmente enquanto estudantes de Artes.
Para Dulce Aquino, Pró-reitora de Assistência Estudantil e Ações Afirmativas (PROAE) da UFBA, é importante estar sensível à demanda criativa dos estudantes residentes, uma vez que “é neste momento que está a pulsão criadora do indivíduo, na transição entre o mundo adulto, o mundo da produção, em que se está deixando a adolescência”, diz. Grande parte dos estudantes da UFBA vem do interior, e Dulce vê na experiência coletiva de habitar um espaço comum uma oportunidade rica em diversidade e força.
Ela afirma que, no que depender da PROAE, a reforma acontece. “Eu quero ver se a gente consegue qualificar este espaço aqui embaixo dando condições reais de fazermos dele um centro cultural mesmo, dando condições para eles desenvolverem esta necessidade criativa que têm”, afirmou a professora, que é dançarina por formação e está à frente da PROAE desde março deste ano, após ter passado pela Pró-Reitoria de Extensão. “Isso é uma cidade”, comenta ela, se referindo à quantidade de 36 mil estudantes de graduação da universidade.
Cenildo Silva, residente da R1 e estudante do último ano do curso de Artes Plásticas, considera o Atelier um espaço de troca artística. “Além de ser um local de convivência para vários estudantes de áreas diferentes, ele é um espaço onde outros artistas já deixaram marcas, e querendo ou não isso acaba influenciando a gente”, reflete. Ele, por exemplo, inspira-se em trajetórias de artistas como Joãozito, filho de Amargosa e ex-residente da Ufba que hoje influencia gente de muitas nacionalidades a partir das provocações instigadas, via de regra, por suas pinturas de ‘cabeças solitárias’. “Imagina o que é este trabalho que a gente está vendo agora e saber que hoje esta pessoa tem um reconhecimento fora. Isto estimula muito a gente”, reconhece o estudante, que tem na pintura e escultura suas formas de expressão mais significativas.
Que queimem os poemas! – “Nossa proposta aqui hoje é construir de fato uma fogueira e queimar os poemas a fim de que a gente possa sentir a poesia além dela, em si. Além da sensação do ler, do sentir, vamos também inalar a poesia”, explicou Angélica Behrmann. Em cortejo, então, os presentes seguiram a caminho do Atelier que, naquela noite, seria testemunha de mais um capítulo de seres humanos experienciando coletivamente um porvir. Um a um pôde colher no varal o seu poema, declamá-lo e inalá-lo, na intenção de preservar aquele espaço, seu significado e memória. A noite também foi palco de performances teatrais.
Rumo à Fogueira
Ainda antes da programação do Fogueiras, uma versão cineclubista característica do final dos anos 70 foi reeditada sob a batuta do cineasta e historiador Joel de Almeida. Quatro artistas baianos aceitaram o convite de reviver seus primeiros filmes em meio à atmosfera universitária: Fernando Belens, Edgard Navarro, Araripe Jr e Póla Ribeiro. Se o bom filho à casa torna, assim fizeram eles naquele dia.
Joel de Almeida está debruçado na construção de um documentário que vai contar a história da Residência. “Morei na R1 por dois anos até ser expulso pela ditadura. Assim que cheguei na casa, me engajei na comissão de cultura e fiquei à frente do Cineclube que criamos nos primeiros meses. Enquanto pesquisava filmes para o programa semanal de cinema, fui descobrindo melhor a cidade e conhecendo pessoas. Na época Edgard fazia seus primeiros filmes Super 8, estudava direção teatral na Ufba, assim como Araripe também pelo mesmo caminho, estudava em Belas Artes. Póla por sua vez estudava Comunicação na Facom e Fernando, que já atuava como médico psiquiatra, também fez curso de Direção Teatral. Conheci eles nessa época e levei para exibição de seus primeiros filmes no nosso Cineclube”, conta Joel. Na época, o cinema foi a linguagem eleita para expressar insatisfações e reivindicar mudanças sociais que extrapolavam os muros da Universidade.
Contos de Farda (Araripe Jr), Pixando (Pola Ribeiro), O Rei do Cagaço (Edgard Navarro), Ora, Bombas (Fernando Bélens) e Exposed (Edgard Navarro) foram o esteio para uma conversa descontraída sobre a produção dos artistas quanto a motivações, linguagem, contexto em que estavam inseridos e sobre a atualidade dos temas trazidos pelos filmes que carregam a marca da subversão. “Havia uma grande necessidade de se expressar contra o sistema. O próprio fazer do cinema Super 8 já era uma coisa altamente subversiva porque dentro da própria estrutura do cinema nós éramos os subversivos. O pessoal do 16 mm não respeitava muito a gente, o pessoal do 35 achava que não tinha nada a ver”, explicou Araripe. “Depois de 30 anos, ao rever nossa produção juntos, no mesmo cenário de exibição de nossas primeiras experimentações cinematográficas, percebo como o tempo pode nos trazer sentidos inéditos”, avaliou Póla Ribeiro.