Reality show: por que faz tanto sucesso?

Programas estão em alta durante a pandemia e a Agenda Arte e Cultura foi entender os motivos

Por Laisa Gama*

Com infinitas possibilidades ao estilo que vão investir tais como confinamento e alimentação, hoje em dia é praticamente impossível não conhecer algum reality show, ou até mesmo ter separado um tempinho para assistir um episódio. Esses programas alcançam cada vez mais o público, seja através da televisão ou em plataformas de streaming. O “Big Brother Brasil” é um dos grandes marcos do sucesso no meio nacional nos últimos anos. Ele e “A Fazenda” estiveram presentes na retrospectiva do Twitter  entre os programas mais comentados do ano passado, divulgada em dezembro.

É possível observar esse sucesso e crescimento do gênero tendo como exemplo o caso do Big Brother Brasil, da TV Globo. No paredão em que a rapper Karol Conká foi eliminada, no dia 23 de fevereiro,  a emissora conseguiu bater o maior recorde de audiência  em 10 anos de programa. Em São Paulo, foi registrado 38 pontos de audiência, média somente superada pela final do BBB10, que registrou 41, de acordo com dados divulgados pela própria emissora

Por estar tão em alta o assunto, até mesmo a cantora Anitta resolveu investir no gênero.  Seu reality feito em parceria com a Skol se chama “Ilhados com o Beats” e foi gravado em quatro dias, no feriado de Carnaval deste ano.

 

 

Alcance nas redes
Para o mestrando em Comunicação e Cultura Contemporânea pelo PósCom/UFBA, João Bertonie, as informações propagadas pelas redes sociais sobre esse tipo de entretenimento são extremamente relevantes para as produções.

João Bertonie destaca que engajamento é importante para o sucessos dos programas (foto: acervo pessoal)
João Bertonie destaca que engajamento é importante para o sucesso dos programas (foto: acervo pessoal)

As redes não apenas turbinam as métricas da audiência, mas se implicam necessariamente na forma como essas histórias são percebidas, interpretadas, produzidas e passadas adiante”, explica. 

É o caso de Emilly Nery, estudante de Química na UNEB. O fato de ver várias pessoas comentando sobre esses realities, em redes como o Instagram, e  pelo  seu tempo livre aos fins de semana, a levou ao interesse e curiosidade por certos programas. Fã de “BBB” e “A Fazenda”, ela sabe todas as páginas para ir atrás de informações novas. 

“Já acordo pesquisando o que aconteceu durante o tempo que eu estava dormindo. Tenho a necessidade de conversar com meus amigos e compartilhar opiniões sobre o jogo”, conta ela. Por serem nacionais e com grande audiência, para Emilly torna-se ainda mais difícil não comentar. 

Bertonie acredita que, no caso do Brasil, a sociedade corresponde veementemente com dramas humanos que  envolvem personalidades injustiçadas, sede de vingança, reviravoltas emocionais, histórias envolvendo determinação e persistência, vilões explícitos e/ou complexos. Elementos presentes em todas as edições do Big Brother. E claro, com a internet, as redes sociais se tornaram um espaço central de discussão em nossas vidas, explica ele.

“Afinal, são as redes que constituem o campo de batalha dos fandoms e haters, dos shippadores, da torcida mais ferrenha, dos mutirões. Por meio de fancams, memes, piadas, threads e debates que as pessoas definem seus heróis e vilões, desenvolvendo sua própria interpretação dos acontecimentos, que pode ou não ser acompanhada da narrativa oficial, capitaneada pelo canal de TV.”  

Foi em 1973 quando o reality “An American Life” teve a honra de ser o primeiro reality show do mundo. Desde então, outras produções foram surgindo, como por exemplo “Yo MTV Raps!” e “The Real World”, ambos da MTV. Mas o gênero de fato ganhou popularidade nos anos 2000, época esta que o Brasil teve seu primeiro reality nacional: “No Limite”, comandado pelo jornalista Zeca Camargo. Recentemente a emissora Globo anunciou que o programa iria ter um retorno, dessa vez com participantes que já passaram pelo BBB.

O caso de Emilly é parecido com o de Gabriel Caino, estudante de jornalismo na UFBA.  Entre o ano passado e este, ele assistiu mais de 15 realities dos mais variados gêneros e cerca de 45 temporadas no total. Conhecedor desse estilo de programa desde pequeno, Gabriel conta sobre o impacto deles atualmente em sua rotina. “Em dia de festa do BBB, eu me programo pra dormir mais tarde porque quero acompanhar o que está acontecendo na casa e ficar por dentro sempre de tudo”. 

Acompanhar o reality mais comentado do momento, seja pelas suas polêmicas ou personagens marcantes, motivou Gabriel e outros dois amigos a criarem um tópico num fórum de realities internacionais. Caino conta que a vontade surgiu num sentido  de fazer com que pessoas do exterior pudessem acompanhar o programa, comentar sobre ele, apresentando a versão brasileira. Gabriel também buscou traduzir alguns vídeos ao inglês para contribuir na divulgação.

Incentivos
Em abril de 2020, a Kantar Ibope Media divulgou um levantamento  a respeito do consumo da televisão com a chegada da pandemia. O brasileiro passou a ficar cerca de 1h20min a mais na TV no mês de Abril, em relação ao mês anterior.  Além disso, das 20 maiores audiências de TV dos últimos cinco anos, 11 aconteceram em março de 2020. Os realities shows lideravam no Twitter como o assunto mais comentado no Brasil. 

A psicóloga Lia Costa, mestre em Psicologia Experimental pela PUC-SP, concorda com o impacto da pandemia na influência de tais comportamentos. Lia explica que um comportamento é compreendido em três etapas: os antecedentes, a resposta e a consequência. Com isso, as pessoas irão se comportar de acordo aos antecedentes, que no caso da pandemia, é compreendido como o contexto para que tais ações ocorram. 

“Muitas das situações ou dos antecedentes que corriqueiramente nos levariam a inúmeras respostas em busca de distração ficaram restritas ou inexistentes. Com tantas restrições impostas, assistir televisão tornou-se uma ação com altas chances de ocorrer como forma de entretenimento”, explica a psicóloga. Foi o caso de Augusto Batista, estudante de Ciências Sociais na Universidade Federal Fluminense (UFF) que, com a falta de opções, começou a assistir TV mais do que imaginava.

Lia ressalta é preciso ter atenção e buscar outras formas de entretenimento (acervo pessoal)
Lia ressalta que é preciso ter atenção e buscar outras formas de entretenimento (acervo pessoal)

Entre os meses de maio e julho de 2020, foi realizada uma pesquisa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na qual foi apontado que cerca de 80% da população brasileira se tornou mais ansiosa por conta da pandemia. Com essas situações de estresse ocasionadas pela crise sanitária, muitas pessoas buscaram formas de alívio para os problemas diários. Foi o que aconteceu com Celine Conceição, estudante de Pedagogia na Unijorge. Assistir a esses programas tornou-se uma forma de distração. “Eles acabaram se tornando uma válvula de escape. As pessoas por um momento deixam de lado os problemas causados pela Covid-19 e  focam nos realities e o que vai acontecer no programa.”, conta ela.

Mas é preciso ter atenção. Para Lia, não há problemas em buscarmos um prazer ou alívio ao assistir esses programas, nem mesmo a quantidade de pessoas que assistem, desde que tentemos encontrar outras maneiras de também nos entretermos. “Muitas situações desagradáveis acontecem durante o programa, e o que poderia antes ser considerado uma forma de entretenimento e lazer pode-se tornar uma experiência desagradável e levar o espectador a desgastes emocionais”, explica ela.  

Apesar das restrições impostas com a pandemia, Lia ainda diz que devemos fazer uso da criatividade e disseminação de conhecimento para que interesses em outros assuntos surjam, fazendo com que possamos lidar com o momento atual da maneira mais reforçadora possível.

 

*voluntária da Agenda Arte e Cultura

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