Rio dos Macacos – O Quilombo vai ao Cinema
*Por Vanice da Mata
Na penúltima quinta-feira de 2013, um grupo aproximado de 50 pessoas, grande parte remanescente do Quilombo Rio dos Macacos (Simões Filho) foi à Sala Walter da Silveira. Naquela tarde, muitos deles se preparavam para assistir à primeira sessão de cinema de suas vidas. Representantes de comunidades do Recôncavo Baiano e da região metropolitana de Salvador como Batateira, Claudeci, Acupe, Teba, Rio São Francisco, Maragogipe, Salinas da Margarida e Ilha de Maré, dentre outras, também estavam lá. Raça: um filme sobre a igualdade, dirigido por Joel Zito Araújo (BRA) e Megan Mylan (EUA), foi a produção escolhida para aquela première. “Quando Joel Zito lançou o filme aqui na Bahia, em maio deste ano, ele ficou encantado com a possibilidade de fazer esta parceria com a comunidade de Rio dos Macacos e então a gente fez este caminho para que isto acontecesse”, explicou Vilma Reis, socióloga e vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), órgão colegiado da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi).
“Eu só sei que o filme que vai passar hoje fala de um quilombo. Vim aqui porque acho bom para a nossa comunidade, porque a gente não conhecia bem este lugar aqui. É algo novo prá todo mundo!” afirmou Graziele dos Santos Silva (11 anos), filha e moradora de Rio dos Macacos. Coincidentemente, ela teve sua primeira experiência cinematográfica também na Sala Walter, meses antes, quando foi assistir a um filme sobre comunidades tradicionais. “A história do filme foi legal”, revelou a jovem que por ter gostado de sua “primeira vez” decidiu logo que participaria da nova exibição. Já Dona Júlia Ribeiro dos Santos (68 anos) queria mesmo era “distrair a mente” e se divertir. Era a sua primeira visita à Sala Walter, mas disse já ter ido ao cinema antes.
A euforia dos mais jovens era vista a olhos nus. A criançada, tão logo foi sinalizado que a sessão começaria, partiu a mil para a primeira fileira da sala. Já sentados, foram orientados a escolher as cadeiras um pouco mais centrais, o que lhes possibilitariam ver o filme com mais conforto. Luzes apagadas, o silêncio então fez o seu trabalho: preparou o terreno para os primeiros sons que, por sua vez, foram trazendo os risos, as tristezas, a emoção. Cada um, ao seu ritmo, foi se sucedendo à medida que a história acontecia.
“Tudo o que passou neste filme é igual no nosso território. Pra gente conseguir alguma coisa a gente tem que dar nossas vidas. Muitas das pessoas que conseguiram algo não estão mais vivas, mas muitas vezes o seu filho ou neto está, e são eles que vão usar tudo o que veio em benefício da comunidade”, reconheceu Rosemeire dos Santos Silva, uma das coordenadoras da Associação do território quilombola de Rio dos Macacos. Emocionada, ela disse que agora não ficaria mais sem resposta quando perguntada sobre ‘o que é um cinema’. Ano passado, sua avó Maurícia fez-lhe esta mesma pergunta no dia em que Rio dos Macacos ia receber o Bando de Teatro Olodum. Naquela ocasião ela não soube responder. No dia 8 de julho o Bando se deslocou para Rio dos Macacos a fim de fazer uma leitura dramática do espetáculo Candances, a Reconstrução do Fogo, texto que trata da subjetividade ancestral africana através de seus símbolos e mitos. “O grupo de teatro ia apresentar um pouco de sua arte lá, e daí eu expliquei pra ela que era um pouco como o cinema. E daí ela perguntou prá mim o que era cinema. Daí eu disse que não sabia lhe responder porque eu também nunca tinha ido a um”, contou Rose. Dona Maurícia faleceu aos 113 anos, em 26 de julho de 2013. Até aquele dia, Rose ainda não tinha a reposta para a pergunta que a sua avó lhe fizera.
“A cultura da gente foi perdida e no filme mostra que ainda existem essas coisas. Quando vejo as moças carregando água, aqueles homens tocando tambor, e várias outras coisas, eu entendo tudo, porque é disso que meus avós e minha mãe falam para mim. É como se tudo isto estivesse sendo apagado de nossa comunidade, e por isso foi muito bom eu ver o filme para a gente saber que essas coisas existem”. Esta foi a fala de Graziele, a garota de 11 anos que tão logo soube da nova sessão de cinema disse ter dito: eu vou!
“O filme representa o processo mais imediato de captar e comunicar a face e o espírito de um povo!” – Walter da Silveira (1915-1970), bacharel em direito feito jornalista por vocação.
Sobre Rio dos Macacos
Situado no município de Simões Filho, próximo à Base Naval, inúmeras famílias vêm sendo expulsas do território Quilombo Rio dos Macacos devido ao nível de hostilidade a que agentes da Marinha do Brasil têm submetido os remanescentes do local, sobretudo a partir de 1970. Em 2012, houve um acirramento destes episódios que evidenciam a violência por parte dos militares, inclusive com destruição de casas e plantações, além das disputas no campo simbólico como na destruição de quatro terreiros de Candomblé. Tais práticas atingem diretamente a autoestima das vítimas, fragilizando memória, saberes, cultura e tradições compartilhadas pelos habitantes daquele território.
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