“Eu sou o que a rua me ensinou”: conheça Marcelo Teles, idealizador do Centro Cultural “Que Ladeira é essa?”
Perfil do artista plástico faz parte do especial da Agenda pelo Dia da Consciência Negra
Laisa Gama*
“Eu sou o que a rua me ensinou”. É assim que o ativista do movimento Negro e Direitos Humanos Marcelo Teles, idealizador do Centro Cultural “Que Ladeira é essa?” se diz ser. Ele diz que como homem negro e periférico, se não fossem pelas diversas pessoas que passaram por sua vida, sejam eles intelectuais, artistas e até mesmo instituições, envolvidas no movimento negro, ele seria alguém totalmente diferente. Como idealizador do Centro na Ladeira da Preguiça, poder estar envolvido em um projeto como esse, foi o que lhe mostrou um novo horizonte, criou dentro dele uma missão. “Ele não é um projeto social e sim, um projeto de vida”. A ideia de o criar veio da necessidade de organizar mecanismos de defesa para combater a especulação imobiliária e a expulsão de negros e pobres da comunidade da Ladeira da Preguiça.
Graças aos diversos amigos que foi encontrando pelo caminho, entrou em contato com muitos outros temas, entre eles o candomblé. Filho de Xangô, e de Ilê Axé Omi J’obà, sua história com o candomblé começa muito antes de pisar em algum terreiro ou em até mesmo trocar com alguma palavra com sacerdotes da sua tão amada religião. Sua conexão com o orixá foi sendo construída pelas madrugadas. Marcelo, durante as noites buscava entre o centro de Salvador a experiência de ir atrás de histórias dessas pessoas das ruas, desses personagens para assim poder escrever um livro, este que ainda não foi publicado. “Minha relação com o candomblé começa a partir desta vivência que durou cerca de 3 anos. Foi seguindo esses sinais que eu busquei através de um amigo e militante do movimento negro, Dhay Borges, que me apresentasse a minha mãe de santo e meu templo sagrado.” Sua mãe de santo é Helenice Brito.
Professor faixa preta em jiu-jitsu, ele foi inserido nesse esporte por conta de sua mãe, que não queria que ele se envolvesse com a capoeira, por conta do estigma racista que o esporte era envolvido. “O racismo fez com que minha mãe entendesse que a nossa maior expressão cultural e uma arte marcial totalmente identitária da cultura negra, que é a capoeira não seria o suficiente para educar um menino que já fazia parte do contexto social que o racismo com toda sua força esmaga.” Mas hoje em dia ele é amante e praticante de Capoeira, e assim, faz questão de inserir essas atividades físicas na educação das crianças que frequentam o local, assim como diversas outras.
Isso faz parte de um projeto chamado Defesa Quilombola, o qual visa a inclusão e integração social de jovens através de um conjunto de ações que colaborem com o senso crítico, do fortalecimento de suas identidades e de auto estima. A “mola central” desse aprendizado vem com a dedicação dos diversos professores das comunidades negras de Salvador através das aulas tais como de Capoeira, Jiu-jitsu e Judô. “É importante e compreensivo frisar que o processo de construção de uma defesa perpassa pela criação de um armamento físico, tendo em vista também a integração vinculada a teorias que dialoguem com a ética, a moral e sobretudo o respeito humano.”
O Centro, que contém diversas atividades artísticas e culturais pela comunidade, foi responsável por trazer diversas mudanças no local, tais como pintura de mais de 800 casas na Ladeira, realização do curso de Defesa Quilombola. O centro para Marcelo, é o que lhe deu régua e compasso. Infelizmente, por conta da pandemia, as atividades foram interrompidas. “fomos obrigados a buscar entidades e movimentos parceiros para ajudar a comunidade com distribuição de remédios e cestas básicas. Durante esse processo de pandemia finalizamos o censo da Ladeira da Preguiça uma parceria com a UFBA através da Professora Urpi Montoya e o grupo de pesquisas Panoramas Urbanos. Foi possível entregar dados importantes para a comunidade se defender e se reconhecer”. O censo tem como objetivo mostrar e caracterizar a população da Ladeira, foi feito em 63 das 65 unidades familiares e 33 dos 35 imóveis.
*voluntária da Agenda Arte e Cultura