Segunda semana de programação do Novembro Negro do MAFRO traz Luiz Bokanha

“A arte me salvou”, contou bailarino, Luiz Bokanha ao relembrar da própria trajetória em mesa “Porque o negro dança?”    

Por: Lucas Arraz

“E preto tem gosto? O lugar de vocês é na feira vendendo limão”. Dissimulada e expulsiva, a frase foi dita por uma das donas da escola de dança onde Luiz Bokanha iniciou sua carreira como bailarino. O dançarino negro do Balé do Século XX e dos palcos da Broadway esteve presente na última quarta-feira (16) no Museu Afro-Brasileiro participando da mesa “Porque o negro dança?”. Na ocasião, o baiano contou um pouco da sua trajetória . O evento fez parte da quinta edição do programa “O MAFRO e Você” que aborda a relação da negritude e arte durante o novembro negro.

O evento foi aberto pela atual diretora do MAFRO, Maria das Graças Teixeira. Em sua fala ela  destacou o papel de resistência que o museu desempenha na sociedade baiana e pontuou a dificuldade de atuação, como a de aproximar o público com aquele espaço. “Estamos na quinta edição desse evento e vemos como é difícil divulgá-lo e atrair público”, ressaltou.

Ao falar de sua trajetória, Luiz Bokanha relembrou dos percalços que passou no início da carreira. Para uma das audições que fez no Rio de Janeiro, juntou o pouco dinheiro que tinha para viajar e dormiu na rua para economizar. O baiano obteve êxito em se classificar para uma das seis vagas da seleção, mas o que o bailarino ouviu após o processo foi diferente: a peça não tinha repertório para ele. “Eles queriam me dizer, na verdade, que não contratariam dançarinos negros”, contou.

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Bailarino conta sua trajetotória

De origem pobre, o dançarino nasceu e cresceu no bairro de Amaralina em Salvador. Aos 19 anos viu muitos dos seus amigos morrer. “A minha realidade era essa:ou os jovens se conformaram com a situação ou partiam para o mundo das drogas para melhorar de vida”. Querendo fugir do destino  iminente, Bokanha escolheu a arte para mudar a sua vida. E mudou. O baiano passou pelo Balé Brasileiro da Bahia, pelo Grand Theatre de Geneve da Suíça, pela Companhia do Balé do Século XX de Maurice Béjart e pelo Balé da Cidade de São Paulo. Foi também coreógrafo e diretor da casa de show Maracanã, em Firenze na Itália por 20 anos, e se apresentou em espetáculo na Broadway

Mas até chegar aos maiores palcos de balé do mundo, Bokanha sofreu  muitos outros  casos de racismo. Em sua primeira escola de Dança, onde aprendeu os primeiros passos de balé, ouviu da dona do espaço que ele não deveria estar lá. O espaço, segundo a dona, era de família e o lugar do negro era na feira vendendo limão. Mais tarde, em apresentação com o Balé Brasileiro da Bahia, Bokanha reencontrou a algoz da frase em entrevista para a TV Bahia. “Ela teve que agradecer a ele e destacar o quão longe um filho da casa dela chegou”, destacou Lindete Souza, esposa de Bokanha que concluiu respondendo a pergunta que direcionava o bate-papo: “O negro dança porque dançar é espaço político. Naquela noite, aquela mulher refletiu isso”.

Além do relato da trajetória de Bokanha, o segundo dia de O MAFRO e Você contou a atriz, dançarina e poeta, Lindete Souza declamando uma coletânea de poemas sobre arte e negritude. Uma das poesias da performance destacava que o corpo negro não era objeto. Outra, de autoria do organizador dessa edição do evento, Marcos Rodrigues.  O MAFRO e Você continua na próxima quarta-feira (23) com “Papo de Senzala Navio Negreiro”, projeto coletivo que revisita o poema de Castro Alves, através de performances de canto, dança e poesia.

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