“Ainda somos relevantes”, garante coordenadora da Biblioteca do CEAO
Primeiro Centro de Estudos Afro-Orientais da América Latina se recupera de crise interna que ameaçou fechar o local no último ano
Por: Lucas Arraz
A história do CEAO – Centro de Estudos Afro-orientais e da biblioteca que ele abriga se misturam de tal modo que é quase impossível falar de uma unidade sem falar da outra. O CEAO não é só o primeiro, como também um dos maiores acervos sobre cultura afro-oriental da América Latina. Mas isso sua importância não foi suficiente para evitar que em 2016 ele enfrentasse o perigo de fechar as portas. Rebaixado da condição de instituição independente para órgão complementar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), o CEAO sofreu ao assistir parte do seu acervo se perder devido às condições não favoráveis de armazenamento na unidade. O clamor por parte de quem frequenta o espaço foi o principal responsável por salvar o local, que hoje estuda maneiras de subverter a crise. Na coleção do Centro estão livros doados por consulados africanos e asiáticos e recortes de jornais e revistas sobre o tema.
Chegar até o Centro de Estudos Afro Orientais não é uma tarefa fácil para quem desconhece o caminho. Localizado no Dois de Julho, quem encontra a fachada do local na Av. Carlos Gomes se depara com uma grade trancada e um aviso de acesso proibido. Só depois de chamarmos o porteiro descobrimos como acessar o mais importante acervo de estudos étnicos de Salvador. Entre lojas de vestimentas de Candomblé, a entrada oculta do CEAO é mais convidativa do que esperávamos. Uma placa de “Pode entrar sem bater” presa na porta de Solange Mattos, coordenadora da biblioteca que nos recebe para uma conversa sobre a unidade, atesta a receptividade do espaço.
Visitar o Centro pessoalmente é, atualmente, a única maneira de consultar a coleção étnica da unidade. Segundo a coordenação, um ataque hacker foi responsável por derrubar a consulta de periódicos digitalizados. Impedidos de acessar o acervo online, intercambistas vindos de dentro e fora do Brasil vão ao CEAO para consultar as obras literárias e também a Hemeroteca- coleção de recortes de jornal sobre cultura afro brasileira que são acumulados, agrupados e digitalizados desde a década de 60. No dia da nossa conversa, Solange respondia e-mails de estudantes belgas que estavam programando uma visita ao espaço no segundo semestre de 2017.
O prédio onde hoje funciona o CEAO foi cedido pelo MEC (Ministério da Educação) em 2005. Impróprio para o funcionamento de uma biblioteca, o local era uma delegacia que não comporta da melhor forma os livros e coleções do Centro. A umidade é a grande vilã responsável por amarelar e degradar o acervo. Aparelhos desumidificadores demonstraram não ser solução eficaz e, a falta de verbas destinadas à construção de um espaço melhor para o acervo puseram a Biblioteca do CEAO em risco de ter sua coleção redistribuída por outras bibliotecas da UFBA. O clamor de quem frequenta o espaço fez o reitor João Carlos Salles enviar um servidor da proplan para resolver os problemas estruturais do órgão.
Apesar de estar hoje esquecido por boa parte da UFBA, a coordenadora do espaço reafirma o papel do CEAO na sociedade. “Nós ainda somos referência no Brasil e fora”. Solange lembra que o Centro foi recentemente convidado pelo MEC a participar da criação da lei que obriga o ensino de história da Àfrica no ensino médio. As lembranças da época em que o CEAO funcionava no Pelourinho ainda são outros indícios da importância do local. “Grupos como o Ilê Aiyê e o Olodum se reuniam aqui para estudar”, completa a funcionária administrativa da unidade. Uma característica que nunca foi perdida pelo CEAO foi seu papel social ativo:a unidade atualmente sedia as reuniões da associação de moradores do bairro Dois de Julho.
Aos poucos o CEAO está retomando suas atividades. Os cursos de japonês e iorubá voltam a ser ministrados a baixo custo no próximo ano. As aulas da pós graduação em Estudos Étnicos e Africanos(Pós Afro), atualmente ocupa as salas de aula da unidade. Projetos como o literário Lendo Mulheres Negras também se reúnem com frequência no Auditório Milton Santos. O Centro hoje organiza um Museu Digital com recortes de jornais e artigos, como parte da iniciativa para recuperar a cara de Museu que tinha quando fez parte da fundação do MAFRO (Museu Afro Brasileiro) na década de 80. A principal publicação da casa, a Revista Afro Àsia volta a ser impressa na próxima edição semestral.
Revista Afro Ásia
A revista Afro-Ásia é, desde 1965, a revista semestral do CEAO. A publicação dedica-se à divulgação de estudos relativos às populações africanas, asiáticas e seus descendentes no Brasil. Os trabalhos publicados na Afro-Ásia buscam a reflexão e o debate acadêmico sobre temas como a história da escravidão, relações raciais e os complexos processos de construção identitária, e têm também produzido referências significativas para uma ação sócio-políti
Desde 2005, a publicação passou a ser disponibilizada em formato digital. Entretanto na próxima edição, voltará a ser impressa. A revista Afro-Ásia é considerada núcleo de excelência da UFBA, tendo no seu conselho editorial doutores de várias universidades brasileiras e representantes das universidades e institutos americanos como Harvard, Pittsburg e Michigan João José Reis, Antônio Sérgio Guimarães, Renato da Silveira, Waldemir Zamparoni e Luis Nicolau Parés já participaram da produção do periódico. Atualmente os editores são Jocélio Teles dos Santos, Florentina da Silva Souza e Wlamyra Albuquerque. |