Home office: quais os impactos durante e pós-pandemia?
Epidemia deve levar sociedade para modelos mesclados entre casa e trabalho
Por Laiz Menezes*
O ano de 2020, ao seguir as instruções de isolamento social, induziu as pessoas a uma nova forma de trabalhar: o home office, que é o escritório em casa. Mas como gerenciar o tempo entre os afazeres da firma e os de casa? Como separar o horário de lazer? E, para além disso, surge a questão de tentar entender como será o trabalho no pós pandemia, já que ela deve levar a sociedade para modelos mesclados entre lar e emprego.
A assessora jurídica de Promotoria de Justiça, em Itabuna, Katharine Oliveira está em home office desde o dia 18 de março, quando começou o movimento de paralisação das atividades não essenciais na sua cidade. Ela conta que, como o seu trabalho lida com processos eletrônicos e procedimentos digitais, ela consegue manter basicamente a mesma rotina de produção em sua casa. “Organizei um local de trabalho no quarto, com uma escrivaninha e um notebook, assim, consigo ter acesso aos processos e elaborar as minutas das manifestações”, explica. Entre as coisas que ela mais sente falta do seu emprego presencial, a falta do convívio com os colegas e a rotina dinâmica que tinha antes são as que mais se destacam.
Para ela, o maior desafio é estabelecer uma rotina dentro de casa e separar horários para cada tarefa. Sem organização, segundo ela, não há como manter o foco e isso impacta o rendimento. “Tenho uma carga horária de 8h por dia. Procuro definir e respeitar o tempo de trabalho, executando as minhas atividades de segunda a sexta, até às 18h. Dificilmente estendo pela noite ou deixo trabalho para o final de semana, que são os momentos reservados para o descanso e lazer”.
O home office também chegou para a Projecta, empresa júnior de arquitetura da Ufba. A presidente da entidade, Ariane Puridade, conta que eles estão trabalhando em casa desde 17 de março e, desde então, traçaram estratégias para saber como lidar com esse período. Ela explica que eles têm uma sala virtual no Telegram com um link fixado de uma chamada, assim, sempre que os membros vão trabalhar, eles entram nesse espaço para fazerem companhia aos colegas. Mas ela admite sentir muita falta do trabalho presencial. “Somos uma empresa extremamente calorosa, sempre abraçamos todos e a sede sempre tem um cheirinho de café. Sinto falta de ver e entrar em contato com pessoas. Ficar privado disso é muito difícil”.
A presidente afirma que trabalha muito bem em casa, mas sente falta da energia e da presença das pessoas, porque elas mudam o seu dia para melhor. Já em relação ao lado negativo do home office, Ariane encontrou dificuldades em conciliar a vida pessoal ao trabalho. “O fato de estar em casa faz com que seus familiares não consigam diferenciar que você está trabalhando e que naquele momento você não pode ser perturbado”.
Privilégio
Apesar das dificuldades iniciais, conseguir trabalhar em casa é um privilégio em comparação àqueles que não conseguem fazer o mesmo, afirma o psiquiatra Irismar Reis. Ele conta que consegue manter uma rotina porque tem horários específicos para atender clientes e dar aulas. Mas admite ser muito difícil controlar o aumento das demandas devido a pandemia, já que surgiram mais aulas, mais atendimentos e a necessidade de mais cuidado com as pessoas. Devido a isso e como os trabalhadores estão sempre no mesmo lugar, em suas casas, é como se eles estivessem permanentemente na empresa e estabelecer um limite é muito difícil.
“Essa ausência de um fim de expediente e o sofrimento com dupla jornada, em que as mulheres são muito mais afetadas que os homens, trazem um peso muito grande. Para amenizar isso, seria útil criar um espírito de colaboração nas pessoas que vivem no mesmo ambiente”, afirma.
A rotina, que está muito longe da ideia de uma coisa chata, segundo o psiquiatra, estrutura a saúde mental das pessoas e é simplesmente uma organização do dia, sem muita rigidez ou cobranças. “Eu começo meu horário de trabalho formalmente, como se estivesse indo para meu consultório. Fazer essas coisas de forma simbólica é muito importante para nossa cabeça”. Reis explica que leva mais de cinco minutos para arrumar sua cama e, ao mesmo tempo que ele faz isso, elabora e pensa na sua agenda do dia. “Eu tento misturar os meus horários de trabalho, de exercício físico e de lazer, sem deixar que um domine o outro”.
No entanto, o repórter do Jornal Correio Gabriel Moura conta que o seu trabalho de casa começou no início da pandemia e afirma que o seu home office é o menos organizado possível. Ele trabalha deitado em cima da cama e admite ser confortável. “Eu coloco o notebook em um tapete no chão e deito com a cabeça para baixo para fazer as coisas. O sangue do corpo vai todo para cabeça e ajuda no pensamento”, brinca. Moura afirma que sente muita saudade do trabalho presencial e dos seus colegas. “Eu adorava interagir, dar risada, era muito mais tranquilo de trabalhar. Na firma eu me sinto mais produtivo e tem menos distrações”.
E depois da pandemia?
Outra questão pertinente nesta discussão é a tentativa de entender como será o trabalho no pós-pandemia, já que o home office fez a sociedade repensar sobre a organização do trabalho, que antes era muito mais presencial, mas que agora podem ser ajustados para o ambiente online. O professor de História da Ufba Carlos Zacarias acredita que é possível que haja transformações, mas não profundas e nem estruturais. Esse “novo normal”, segundo ele, pode não modificar profundamente as nossas vidas, mas vai aprofundar alterações que já vinham ocorrendo e que agora, pela necessidade ou pela percepção de que é possível fazer algo diferente, as pessoas vão adotar com mais frequência.
“Nós que somos professores, por exemplo, não visualizamos e resistimos às formas de ensinar que não sejam por meio do contato com o estudante. Já existem pesquisas que indicam que os vídeos são muito mais desgastantes do que as aulas presenciais. Então, acho que não vamos transitar para um ensino EAD, mas é possível que haja mais alternativas virtuais do que antes”, diz.
Para ele, haverá fusão do que é vivido durante a pandemia com o que virá depois. “Nosso trabalho será impactado por essas formas novas que, provavelmente, vão dar abertura para ferramentas que vão passar a fazer parte do nosso cotidiano mais do que já faziam, como o computador, celular e o tripé, que vai nos acompanhar para gravar vídeos”, pontua o professor. Zacarias completa que essa tendência pode facilitar a vida, desde que não substitua as formas habituais que se tem de trabalhar.
Dicas
Psicoterapeuta Antônio Pedreira – “Viva um dia de cada vez; faça algum exercício físico; ter de véspera uma programação; evitar fazer autocobranças; respeitar os limites do seu corpo; dar- se pausas e opções de lazer; aprender uma coisa nova a cada dia; parar de falar “estou preso” e ressignificar para “estou protegido”; ler um livro por semana; degustar uma comida deliciosa, um chocolate ou bolo; dormir o número de horas compatível com a necessidade da sua faixa etária; ter uma comunicação saudável, efetiva e afetiva com parentes e amigos; amar e ser amado; ater-se ao presente em vez de se perder com futurologias catastróficas; ser otimista realista, esperar por um futuro feliz, mas fazer tudo para que ele aconteça, e orar, pensar positivamente, praticando a paciência.”
Katharine Oliveira – “Tentar encontrar o equilíbrio entre a disciplina para manter uma boa produtividade e não se cobrar tanto considerando o momento delicado e incerto que estamos vivendo. É necessário também reservar um momento para cuidar de si mesma e para o lazer, fazendo coisas que gosta e desligando a mente das obrigações.”
Gabriel Moura – “Ouça a banda favorita, porque isso é bom em qualquer situação. Faça coisas que você nunca mais poderá fazer: se seu trabalho começa às 8h, acorde às 8h, abra o olho, pegue o notebook e comece a trabalhar. Tente manter uma rotina de horários, fale para seus familiares não virem falar com você durante o expediente e desinstale jogos viciantes. Eu tive que desinstalar o Candy Crush, porque isso estava me atrapalhando muito no início do home office.”
Ariane Puridade – “Prepare seu lugar de trabalho e deixe o mais confortável possível, e que não seja sua cama ou sofá, porque nosso corpo precisa entender a diferença entre local de trabalho e de descanso. É preciso entender que você não tem que estar disponível 100% do tempo para a empresa só porque você está em casa, tem que ter seu horário de parar. Aproveita esse tempo para cuidar do seu espiritual, da sua energia, do seu corpo. Se alimentar bem, se hidratar, meditar, fazer ioga e se exercitar, porque o corpo não pode parar, precisa se manter em movimento. Não é preciso fazer tudo isso, mas fazer o que se adeque a sua vida e que te faça bem.”