Como está a quarentena de quem mora sozinho?
Conversamos com três estudantes que acabaram enfrentando uma quarentena longe da família
Geovana Oliveira*
Daniel Conegundes mora com as primas em Vitória da Conquista enquanto cursa Ciências Biológicas na Universidade Estadual do Sul da Bahia (Uesb). Quando as aulas foram suspensas e o país começou a incentivar o isolamento social, ele não pôde voltar imediatamente para a casa dos pais, em Candiba, porque precisava renovar o contrato da casa. O compromisso acabou sendo adiado devido à quarentena, mas as vans que faziam o transporte já tinham parado de circular na época. Desde então, está em casa com uma das primas.
Assim como Daniel, diversos alunos das universidades públicas estudam fora de suas cidades natais e, alguns deles, que moram sozinhos ou em repúblicas, se viram enfrentando uma quarentena longe da família. A Agenda conversou com três estudantes para saber como está sendo lidar com o isolamento nessa situação.
Para Rafael Bittencourt, residente no Hospital Veterinário da UFBA, o pior não é estar sozinho. “A diferença é que antes eu tinha a opção de escolha, ficava sozinho nos momentos que queria e, quando queria sair, marcava com amigos ou algo do tipo. Agora eu sou obrigado a ficar sozinho o tempo todo, o que se torna ocioso e entediante.”, conta. Ele divide o apartamento onde mora com outros dois estudantes da federal, mas ambos estão passando a quarentena com as famílias, no interior. Por causa do trabalho, Rafael ficou.
Em alguns dias, chega a se sentir realmente só. “É algo que não estávamos habituados, permanecer dentro de casa durante tanto tempo, sem opções de lazer, sem nenhum contato com outras pessoas, é complicado.“, conta Rafael. Para Daniel, essa sensação apareceu nos dias em que quis estar ao lado dos pais, conversar com os amigos ou até “bater uma resenha”, mas isso não era exatamente possível.
De acordo com o psicólogo Luiz Felipe, vice-diretor do PSIU, a situação da quarentena, por si só, traz um sentimento de solidão. “Pode-se dizer que o “sentir-se sozinho” é uma das maneiras de traduzir uma experiência de alguma coisa na minha vida que se foi, virou passado, já não se faz presente no mundo da mesma maneira que antes”, explica. De acordo com ele, cada pessoa vivenciará isso de uma maneira própria, e a mesma pessoa pode viver essas experiências de formas diferentes ao longo do isolamento.
Outra solidão
Gláucia Almeida, aluna de medicina veterinária na UFBA, deixou claro que, para ela, esse não é um sentimento específico da quarentena. Apesar de ter ficado sozinha em um apartamento que costuma dividir com outras pessoas, conta que já está acostumada com a sensação. “Normalmente pessoas com deficiência se sentem sozinhas durante o decorrer de sua vida. Então, nesta situação, apesar do real motivo, eu tenho gostado de estar na minha companhia”, diz. Para ela, é bom refletir que as pessoas com deficiência em épocas anteriores já passaram por solidões maiores.
Sem outras pessoas ou rotina para a distração, Gláucia também passou a se concentrar mais em questões pessoais. “Notei que precisava me conhecer mais e dar mais atenção à alguns problemas que tinha ignorado”. Já Rafael foi pelo caminho contrário. “Acho que eu passei a pensar mais no coletivo. No que vem acontecendo no mundo ultimamente, o que algumas pessoas têm sofrido; se a pandemia foi algo para que a humanidade começasse a se reorganizar e pensar que participamos de uma estrutura social que é coletiva, que temos que pensar no próximo também”, conta.
Para suprir o contato físico, as ferramentas tecnológicas são os principais auxiliares. As ligações, chamadas de vídeos e conversas via áudio no WhatsApp têm ajudado a enfrentar a quarentena. “Além disso, tenho tentado estabelecer uma rotina diária de exercícios em casa, ler artigos, estudar assuntos que eu gostaria de ter estudado antes mas não tinha muito tempo pra isso. Tento inventar algo novo todos os dias, na medida do possível”, conta Rafael.
Mas, para todos, é inevitável a falta que a família, os amigos, a praia, o lazer fora de casa, e até a rotina do trabalho, fazem. Sobre o que mais sente saudade, Glaucia resume: ela quer abraçar as pessoas que ama.
*voluntária da Agenda Arte e Cultura
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