Jovem negro
Espetáculo propõe discussão sobre o “extermínio da juventude negra” na Faculdade de Comunicação
Por João Bertonie
“Não há nada mais perigoso no Brasil do que ser jovem e negro”. O desabafo foi feito por um dos personagens de “Pra Lá de Tempo”, espetáculo do grupo Chame Gente, do Centro de Referência Integral de Adolescentes (Cria), apresentado na última segunda-feira, 01, no auditório da Faculdade de Comunicação (Facom/UFBA). O evento foi realizado por vários coletivos em parceria com o Centro Acadêmico Vladimir Herzog e o Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania, ambos da Facom.
Com referências à Revolta dos Búzios e às manifestações de junho de 2013, a apresentação retratou o cotidiano de uma comunidade que vive diversos problemas, como o preconceito e a falta de segurança pública. Outra característica desse grupo é a sua crença na juventude como principal “força de luta”. Altamente política, a peça teceu várias críticas à má administração das instituições públicas, à violência policial e à manipulação das pessoas pela mídia. Os jovens como “mobilizadores sociais” eram um dos principais aspectos da performance. “Quando a gente se junta é assim: barril!”, gritou um dos personagens durante a encenação.
Ao fim do espetáculo, foi realizada uma roda de conversa com o público e os organizadores. Durante o bate-papo, várias vezes foram citados os termos “extermínio da juventude negra” e “limpeza étnica”. “É uma luta diária viver sendo um jovem negro, no Brasil”, disse Romilson Freitas, diretor do grupo teatral. “Por isso, no espetáculo, nós não trabalhamos só na perspectiva artística, mas também na da cidadania.”
A inserção dos jovens negros em ambientes que antes não eram muito frequentados por eles, como acontecia nas universidades, antes da política de cotas, também foi um tema abordado, junto a sua consequente entrada no movimento estudantil. “O perfil do estudante na UFBA mudou e o perfil do movimento estudantil também”, falou Mariana Jorge, representante do Centro Acadêmico.
Durante a discussão sobre o racismo que uma parte da sociedade ainda sofre, o caso de Davi Fiúza foi lembrado. O adolescente de 16 anos está desaparecido há quase um mês, depois de ter sido colocado dentro de um carro, no bairro de São Cristóvão. Ele é irmão de Camila Fiúza, estudante de jornalismo na Facom, o que tornou o meio acadêmico ainda mais sensível ao sumiço do garoto. “Davi é um sujeito-coletivo”, disse Bruna Rocha, representante do Kizomba, coletivo estudantil que participou da organização do evento, junto com o Enegrecer, Coletivo Nacional da Juventude Negra.
CRIA
O Centro de Referência Integral de Adolescentes se propõe, por meio do teatro, a provocar atitudes transformadoras da comunidade em que vivem os jovens participantes do projeto. Assim, o trabalho do Cria acontece em vários bairros da perifreria de Salvador, como São Rafael e Periperi, de forma coletiva e comunitária. O centro desenvolve ações desde 1994, a partir de uma proposta de arte-educação, inserida pela fundadora Maria Eugênia Millet. Entre as atividades oferecidas estão: aulas, oficinas e performances dos jovens atores. O grupo Chame Gente é um dos projetos do Cria.