Mulheres do Àse: um espetáculo para ver, ouvir, cheirar e sentir
Em cartaz no Teatro Martim Gonçalves, o espetáculo com entrada gratuita mistura a resistência e fé das mulheres do axé
Por: Lucas Arraz
O que significa axé? Dentre as definições para a palavra de origem yorubá muito usada nas casas de Candomblé estão “força e poder”. Para Mãe Beata de Iemanjá, famosa mãe de santo de Cachoeira, o axé “não é algo que pode ser explicado por palavras. É algo que é sentido e que arrepia”. Explicar o axé por sensações é o que se propõe e cumpre o espetáculo “Mulheres do Àse – Performance Ritual”. A montagem está de volta a cartaz em curta temporada no Teatro Martim Gonçalves, localizado na Escola de Teatro da UFBA. A entrada é franca e a peça pode ser assistida no sábado (11) e domingo (12) ás 19 horas.
Muito mais que visto, Mulheres do Àse deve ser ouvido, sentido, cheirado e palpado. Entre resistência e fé, a peça representa a importância das mulheres que atuam em religiões de matriz africana como mães, guerreiras e líderes religiosas. O elenco é formado pelas servidoras da UFBA Sueli Ramos, Tânia Bispo, Sandra Santana, Fática Carvalho e Jaqueline Elesbão. Mas conta também com as participações especiais de Mãe Stella de Oxóssi, Mãe Beata de Iemanjá e Makota Valdina, importantes figuras do Candomblé, que aparecem projetados no palco para dar depoimentos e de músicos instrumentistas.
A apresentação instiga o interesse de quem chega na platéia do Martim Gonçalves e sente o perfume da água de cheiro responsável por criar o clima de ritual africano. Depois do olfato, a audição é o sentido aguçado pela montagem. O aumento da intensidade do grave do atabaque, capaz de arrepiar os mais sensíveis, é silenciado por solos de violino, instrumentos de sopro e até mesmo um xilofone que dança junto com as atrizes na perfeita harmonia que caracteriza toda a apresentação.
Para a espectadora Maria de Lourdes, 52, as músicas do espetáculo e o uso dos instrumentos são um show à parte. “Pensei que iria encontrar apenas atabaques. Fui surpreendida positivamente pela musicalidade doce”, comenta. Utilizando inclusive o movimento das pulseiras das dançarinas, o espetáculo apresenta diversos rituais e passos característicos dos orixás do Candomblé. Em diferentes cenas é possível ver passos que evocam os orixás Ogum, Oxum, Iansã e Oxóssi representando a ira da mulher negra silenciada no navio negreiro e o afago de uma mãe de santo que ama seus filhos como se os tivesse dado a luz. Em todos os momentos é possível se emocionar com a veracidade ritualística e humana da coreografia.
Por aproximadamente 1 hora, Mulheres do Àse é capaz de arrepiar até mesmo quem não faz parte do universo candomblecista. Em um dos pontos altos da apresentação, quando o amor de uma mãe de santo é traduzido em cena, a platéia é convidada a abraçar as atrizes que representam os orixás. O tato é elemento importante durante toda a apresentação. Com movimentos firmes, as dançarinas criam caçarolas e espelhos com rolos de papel, destacando a importância da mão de uma mulher africana capaz de gerar sustento para sua própria família através da culinária e do artesanato. Uma das pessoas chamadas ao palco, o estudante Caique Gomes, 23, descreveu a paz que sentiu no momento que foi abraçado. “Foi incrível a sensação de acolhimento que eu senti lá”, comentou com os olhos marejados.
A performance ritual, ou ritual em forma de performance, voltou a cartaz depois da temporada de estreia durante o Congresso UFBA 70 anos. A realização do projeto conta com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão (Proext). Mulheres do Àse também é uma celebração aos 60 anos da Escola de Dança da UFBA completados em 2016. A direção Geral, concepção e roteirização cênica são de Edileusa Santos. A apresentação faz parte de um projeto piloto da Proext que pretende fomentar mais experiências artísticas com elenco de servidores públicos da universidade.