Shakespeare & Rock and roll
Com abordagem contemporânea, Hamlet integra a programação de verão do Teatro Vila Velha
Por João Bertonie
Protagonista daquela que é considerada a obra-prima de William Shakespeare (1564 – 1616), o príncipe Hamlet questiona limites éticos e morais, quando é dito que seu pai foi vítima de um envenenamento executado pelo seu tio Cláudio, usurpador do trono dinamarquês. A montagem de Márcio Meirelles, que integra o Amostrão Vila Verão, no Teatro Vila Velha, contudo, leva a saga de Hamlet a um caminho distante da pompa elizabethana idealizada por Shakespeare: aqui, a caveira que o príncipe ergue em seu famoso monólogo (“Ser ou não ser”, primeira cena do terceiro ato) é trocada pelas baquetas de uma bateria. Para além do texto do bardo, a estética rock and roll é o que mais chama atenção no espetáculo do Vila, que estreou no dia 10 deste mês e segue em cartaz até a primeira semana de fevereiro.
“Hamlet” faz parte da Trilogia do Golpe, do diretor Márcio Meirelles, que conta com “Jango, uma Tragedya” – apresentada em agosto de 2014, em comemoração aos 50 anos do teatro – e com “Macbeth”, também de Shakespeare e presente no Amostrão. Todos os espetáculos são o resultado de intensas pesquisas realizadas pela Universidade LIVRE, programa de formação de atores do Teatro Vila Velha. Tanto os textos de Glauber Rocha quanto os de Shakespeare tratam de tragédias que aconteceram a partir de golpes de estado.
Nesta montagem de “Hamlet”, os figurinos góticos e as maquiagens pesadas criam um estilo que lembra a aura barroca e delirante de “Jango”. O texto do autor inglês é respeitado, assim como foi em “Tróilus e Créssida”, outra peça de Shakespeare, montada por Meirelles, em janeiro do ano passado, e mantém-se desafiador: são duas horas e meia de profundos questionamentos morais e filosóficos, ambientados em uma Dinamarca sombria, que parece se metaforizar em um não-lugar contemporâneo.
O diretor, no entanto, não se atém a obra de Shakespeare para investigar as nuances de Hamlet. No meio do espetáculo, a narrativa original é “interrompida” para outro espetáculo: “Hamlet Machine” (1977), do alemão Heiner Müller (1929 – 1995), é apresentada no mesmo cenário de “Hamlet”. A peça de Müller apresenta uma linguagem chocante, aparentemente desconexa, em uma espécie de releitura do texto original.
A estética inovadora levada ao palco do Vila Velha tem como um dos seus objetivos aproximar o Shakespeare do público jovem, mostrando como o texto do inglês pode dialogar com várias gerações. “É complicado aproximar o Shakespeare do jovem por causa da linguagem muito densa, mas acho que o rock and roll facilita nesta identificação”, opina Tiago Tapioca, 23.
“Márcio brinca que Shakespeare, na época dele, era um autor popular e nós o tratamos de uma forma muito distanciada, quase que erudita”, afirma Vinicius Bustani, que encarna o protagonista do espetáculo. Para ele, a peça dialoga com uma plateia mais jovem por se tratar de um conflito entre gerações, do embate entre o velho e o novo, um tema universal.
Fotos: Carla Letícia Oliveira
“Hamlet” integra o Amostrão Vila Velha, que tem apresentações até o dia 8 de fevereiro.