“Volta ao Lar”: um filho pródigo às avessas
Por João Bertonie
Colocada no centro da sala, a poltrona bege era como um trono no qual se sentava Max, o patriarca da família. Duas horas e meia depois, quem está sobre ela é Ruth, sua nora. “Volta ao Lar”, texto de Harold Pinter (1930 – 2008) montado pela Companhia de Teatro da UFBA, que esteve em cartaz durante o mês de novembro, no Teatro Martim Gonçalves, faz uma crítica mordaz à instituição familiar e aos valores morais da nossa época.
Na obra-prima do autor inglês, vencedor do Nobel de Literatura em 2005, a história se desenvolve a partir da chegada de Teddy (Osvaldo Baraúna), espécie de “filho pródigo” que volta para casa com a intenção de apresentar sua esposa, Ruth (Patrícia Oliveira), aos familiares. Contudo, ao contrário do que se passa no conto bíblico, esse retorno não traz nenhuma alegria à típica família inglesa: Ruth desperta no patriarca (Fernando Neves), nos cunhados Joe (Vinícius Matos) e Lenin (João Santana) e no Tio Sam (Antonio Fábio) seus desejos mais sórdidos que eram reprimidos.
Dirigida pelo premiado ator e diretor Harildo Déda, a 46ª produção da Companhia de Teatro da UFBA conta com personagens que sucumbem facilmente ao desespero, assumindo comportamentos absurdos e muitas vezes incompreensíveis. No texto de Pinter, marcado pelo tom do Teatro do Absurdo – termo que agrupa as obras de dramaturgos como o irlandês Samuel Beckett (1906 – 1989) e o romeno Eugène Ionesco (1909 – 1994) -, a casa da família é como um barril de pólvora, suscetível a qualquer faísca. Em uma cena, Teddy come a panqueca que Joe guardou na geladeira e isso é suficiente para fazê-los brigarem ruidosamente, em meio a gritos escandalosos e agressões mútuas.
A chegada de Teddy e Ruth naquela casa representa uma ruptura na frágil ordem familiar instituída. Única mulher na casa habitada por homens, a força de Ruth é exponenciada à máxima potência. Quando os familiares de Teddy propõem que ela passe a viver com eles e que se prostitua para arcar com suas despesas, em um diálogo absurdo e descomunal, Ruth não faz mais que rir deles, sentando-se majestosa na poltrona onde antes estava o patriarca. É ela, na verdade, quem está no controle da situação. “Estamos falando de uma mulher de sensibilidade”, diz Max com um tom irônico e depreciador, sem perceber que são os homens da família que sucumbem à força feminina.
Destinado a um público reduzido, “Volta ao Lar” foi um desafio instigante aos que compareceram no Teatro Martim Gonçalves durante o mês de novembro.