Conheça a trajetória de Pablo Soares, o queerdelista do Cariri

Além de cordelista, o jovem cearense é estudante do mestrado em Cultura e Sociedade da UFBA                           

Por Kelven Figueiredo

Muito jovem, extrovertido e sem um pinguinho de timidez, Pablo Soares logo nos abraça e oferece água, deixando mais que evidente sua receptividade e satisfação que sente ao conhecer pessoas novas. A conversa flui com facilidade. O estudante do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (Pós-Cultura) logo puxa assunto sobre o que mais gosta de fazer: escrever cordéis. Assunto que ele demonstra realmente dominar.

Com o sotaque carregado e gesticulando com as mãos a todo instante ele começa explicando que foi iniciado na arte dos cordéis enquanto ainda fazia faculdade de jornalismo na Universidade Federal do Cariri, ele aponta a professora Fanka Santos como alguém que aguçou seu gosto pela arte de crodel. A ela, ele é bastante grato, tendo chegado a apelidá-la, carinhosamente, de bruxa xamã, uma vez que ele enxerga todos os escritores como magos da palavra. A partir dos seus estudos sobre cordel como meio de comunicação e sua relação forte com suas origens nordestinas ele se interessou por um gênero específico feito pelo grupo autodenominado de Sociedade dos Cordelistas Mauditos.

Pablo explica que este é um grupo de cordelistas que oferecem uma nova cara a esse gênero literário. “Os mauditos vão na contra perspectiva da representação do cabra macho do Nordeste”, explica o cearense. Nesse processo de desconstrução do estereótipo bem marcado do homem branco, heterossexual e cisgênero na literatura de cordel abre-se espaço para personagens que representam mulheres, gays, lésbicas, travestis, trans e tantos outros que existem no Nordeste, mas não são tratados com frequência no gênero literário em questão.

Pablo criou, ainda durante a graduação, um grupo de estudos sobre cordéis, que chamou de “Queerdel: transgressão e memória”. O projeto, com o tempo, passou a não trabalhar apenas com cordel, mas também com performance. Tudo isso culminou e ajudou em seu trabalho de conclusão de curso que resultou: a análise da obra da cordelista maudita, Salete Maria, a quem ele se refere com um carinho inestimável.

A figura de Salete é presente em sua vida desde que ele era muito jovem. Ele relata tê-la visto, pela primeira vez, em um seminário organizado pelo Grupo de Apoio a Livre Orientação Sexual do Cariri (GALOSC), em seu discurso ela relatava sobre sua bissexualidade enquanto usava um broche de arco-íris, isso o marcou de uma forma que ele relata como se pudesse ver a cena. Pablo voltou a encontrá-la na época  em que se interessou pelos cordéis e no período de TCC. Hoje eles são amigos e admiradores do trabalho um do outro.

Atualmente, além do mestrado, o jovem faz parte do grupo de pesquisa em Cultura e Sexualidade (CUS) onde continua a publicar seus cordéis. Contudo,  admite não gostar da obrigação de  escrever. “Eu escrevo quando quero e não tenho muito essa pretensão de divulgar o que escrevo, embora eu ache que deva mudar isso. Escrevo muito brincando, eu sou um brincante da palavra”, confessa o artista que ainda revela não ter pretensão de transformar seu hobby em algo que ele se sinta obrigado, afinal já se sente satisfeito com suas publicações.

Quando não está escrevendo nem se dedicando à sua tese de mestrado, Pablo diz que gosta mesmo é de tomar uma cervejinha e comer uma boa porção de pititinga frita enquanto escuta Maria Bethânia em um bar qualquer. Também  gosta de assistir séries, principalmente “Sex and the city”, que revê sempre que possível. Atualmente também acompanha uma série produzida pela Amazon chamada “Transparent” que retrata a história de uma mulher transgênero. Esta última ele faz questão de recomendar.

Bem humorado e auto declarado como uma “velha catimbozeira”, Pablo diz não ter muita afinidade com aparatos tecnológicos e afirma: “Eu acho bonito quem consegue acompanhar, mas eu parei no mp3”. Não que ele não saiba lidar com a tecnologia atual, mas é que não se preocupa em entendê-la. “Eu não sei diferenciar até um iPad de um iPod, por exemplo” revela.

Apesar de ter completado apenas um ano em território baiano, o cearense diz ter  vontade de conhecer mais o estado e aproveitar  o que Salvador tem a oferecer. Contudo ainda sente falta de casa, da sua família e amigos. Pela primeira vez na conversa ele aparenta algum desânimo, mas logo volta a sorrir ao se lembrar que em setembro estará de volta ao seu amado Cariri. Aqui na capital soteropolitana, Pablo divide apartamento  com mais dois rapazes, a quem ele se refere como “preciosidades” encontradas em território baiano.

Apesar de ter sido evangélico por uma boa parte de sua vida, o rapaz abraça a todas as religiões e declara: “Gosto de colocar meu corpo para jogo, sabe?”. O mestrando afirma já ter ido na umbanda, no candomblé, no centro espírita, na igreja católica e entre outras, sem preferências entre uma ou outra. Entretanto, ele não dispensa sua pulseira repleta de imagens que retratam santos da igreja católica e uma outra que aparenta ser um terço.

O cearense que evita falar de futuro, aparenta estar encantado com o presente e reserva um cantinho especial para o seu passado. Quando questionado sobre seu maior sonho, não pensou muito e logo disse: “a paz nas diversidades”. Um sonho bastante ambicioso, mas ouvindo isso do sotaque cearense e com a serenidade da fala do rapaz, a gente até acredita um pouco nesse desejo com cara de utopia.

 

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